John MacArhtur,
autor de mais de 150 livros e conferencista internacional, é pastor da Grace
Comunity Church, em Sum Valley, Califórnia, desde 1969; é presidente do
Master's College and Seminary e do ministério "Grace to You"; John e
sua esposa Patrícia têm quatro filhos e quatorze netos.
"Não negligencieis a prática do bem e a mútua
cooperação [koinonia]"
Hebreus
13.16
O
egocentrismo não tem lugar na igreja. Nem devíamos dizer isso, mas, desde o
alvorecer da era apostólica até hoje, o amor próprio em todas as suas formas
tem prejudicado incessantemente a comunhão dos santos. Um exemplo clássico e
antigo de egocentrismo fora de controle é visto no caso de Diótrefes. Ele é
mencionado em 3 João 9-10, onde o apóstolo diz: "Escrevi alguma coisa à
igreja; mas Diótrefes, que gosta de exercer a primazia entre eles, não nos dá
acolhida. Por isso, se eu for aí, far-lhe-ei lembradas as obras que ele
pratica, proferindo contra nós palavras maliciosas. E, não satisfeito com estas
coisas, nem ele mesmo acolhe os irmãos, como impede os que querem recebê-los e
os expulsa da igreja".
Diótrefes
anelava ser o preeminente em sua congregação (talvez até mais do que isso).
Portanto, ele via qualquer outra pessoa que tinha autoridade de ensino –
incluindo o apóstolo amado – como uma ameaça ao seu poder. João havia escrito
uma carta de instrução e encorajamento à igreja, mas, por causa do desejo de
Diótrefes por glória pessoal, ele rejeitou o que o apóstolo tinha a dizer.
Evidentemente, ele reteve da igreja a carta de João. Parece que ele manteve em
segredo a própria existência da carta. Talvez ele a destruiu. Por isso, João
escreveu sua terceira epístola inspirada para, em parte, falar a Gaio sobre a
existência da carta anterior.
Na
verdade, o egoísmo de Diótrefes o tornou culpado do mais pernicioso tipo de
heresia: ele rejeitou ativamente e se opôs à doutrina apostólica. Por isso,
João condenou Diótrefes em quatro atitudes: ele rejeitou o ensino apostólico;
fez acusações injustas contra um apóstolo; foi inóspito para com os irmãos e
excluiu aqueles que não concordavam com seu desafio a autoridade de João. Em
todo sentido imaginável, Diótrefes era culpado da mais obscura heresia, e todos
os seus erros eram frutos de egocentrismo.
Em
nosso estado caído, estado de carnalidade, somos todos assediados por uma
tendência para o egocentrismo. Isto não é uma ofensa insignificante, nem um
pequeno defeito de caráter, nem uma ameaça irrelevante à saúde de nossa fé.
Diótrefes ilustra a verdade de que o amor próprio é a mãe de todas as heresias.
Todo falso ensino e toda rebelião contra a autoridade de Deus estão, em última
análise, arraigados em um desejo carnal de ter a preeminência – de fato, um
desejo de reivindicar para si mesmo aquela glória que pertence legitimamente a
Cristo. Toda igreja herética que já vimos tem procurado suplantar a verdade e a
autoridade de Deus com seu próprio ego pretensioso.
De
fato, o egocentrismo é herético porque é a própria antítese de tudo que Jesus
ensinou ou exemplificou. E produz sementes que dão origem a todas as outras
heresias imagináveis.
Portanto,
não há lugar para egocentrismo na igreja. Tudo no evangelho, tudo que igreja tem
de ser e tudo que aprendemos do exemplo de Cristo golpeia a raiz do orgulho e
do egocentrismo humano.
Koinonia
As
descrições bíblicas de comunhão na igreja do Novo Testamento usam a palavra
grega koinonia. O espírito gracioso que essa palavra descreve é o
extremo oposto do egocentrismo. Traduzida diferentemente por
"comunhão", "compartilhamento", "cooperação" e
"contribuição", esta palavra é derivada dekoinos, a palavra grega que significa "comum".
Ela denota as ideias de compartilhamento, comunidade, participação conjunta,
sacrifício em favor de outros e dar de si para o bem comum.
Koinonia era
uma das quatro atividades essenciais que mantinha os primeiros cristãos juntos:
"E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão [koinonia], no partir do pão e nas orações" (At 2.42).
O âmago da "comunhão" na igreja do Novo Testamento era culto e
sacrifício uns pelos outros, e não festividade ou funções sociais. A palavra em
si mesma deixava isso claro nas culturas de fala grega. Ela foi usada em
Romanos 15.26 para falar de "uma coleta em benefício dos pobres" (ver
também 2 Co 9.3). Em 2 Coríntios 8.4, Paulo elogiou as igrejas da Macedônia por
"participarem [koinonia] da assistência aos santos". Hebreus 13.16
diz: "Não negligencieis, igualmente, a prática do bem e a mútua cooperação
[koinonia]". Claramente, o egocentrismo é hostil à
noção bíblica de comunhão cristã.
Uns aos outros
Esse
fato é ressaltado também pelos muitos "uns aos outros" que lemos no
Novo Testamento. Somos ordenados: a amar "uns aos outros" (Jo
13.34-35; 15.12, 17); a não julgar "uns aos outros" e ter o propósito
de não por tropeço ou escândalo ao irmão (Rm 14.13); a seguir "as coisas
da paz e também as da edificação de uns para com os outros" (Rm 14.19); a
ter "o mesmo sentir de uns para com os outros" e acolher "uns
aos outros, como também Cristo nos acolheu para a glória de Deus" (Rm
15.5, 7). Somos instruídos a levar "as cargas uns dos outros" (Gl
6.2); a sermos benignos uns para com os outros, "perdoando... uns aos
outros" (Ef 4.32); e a sujeitar-nos "uns aos outros no temor de
Cristo" (Ef 5.21). Em resumo, "Nada façais por partidarismo ou
vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si
mesmo" (Fp 2.3).
No
Novo Testamento, há muitos mandamentos semelhantes que governam nossos
relacionamentos mútuos na igreja. Todos eles exigem altruísmo, sacrifício e
serviço aos outros. Combinados, eles excluem definitivamente toda expressão de
egocentrismo na comunhão de crentes.
Cristo como cabeça de seu corpo, a
igreja
No
entanto, isso não é tudo. O apóstolo Paulo comparou a igreja com um corpo que
tem muitas partes, mas uma só cabeça: Cristo. Logo depois de afirmar,
enfaticamente, a deidade, a eternidade e a proeminência absoluta de Cristo,
Paulo escreveu: "Ele é a cabeça do corpo, da igreja" (Cl 1.18). Deus
"pôs todas as coisas debaixo dos pés, e para ser o cabeça sobre todas as
coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo" (Cl 1.22-23). Cristãos
individuais são como partes do corpo, existem não para si mesmos, mas para o bem
de todo o corpo: "Todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de
toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio
aumento para a edificação de si mesmo em amor" (Ef 4.16).
Além
disso, cada parte é dependente de todas as outras, e todas estão sujeitas à
Cabeça. Somente a Cabeça é preeminente, e, além disso, "se um membro
sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se
regozijam" (1 Co 12.26).
Até
aquelas partes do corpo aparentemente insignificantes são importantes (vv.
12-20). "Deus dispôs os membros, colocando cada um deles no corpo, como
lhe aprouve. Se todos, porém, fossem um só membro, onde estaria o corpo?"
(vv. 18-19).
Qualquer
evidência de egoísmo é uma traição de não somente o resto do corpo, mas também
da Cabeça. Essa figura torna o altruísmo humilde em virtude elevada na igreja –
e exclui completamente qualquer tipo de egocentrismo.
Escravos de Cristo
A
linguagem de escravo do Novo Testamento enfatiza, igualmente, esta verdade. Os
cristãos não são apenas membros de um corpo, sujeitos uns aos outros e chamados
à comunhão de sacrifício. Somos também escravos de Cristo, comprados com seu
sangue, propriedade dele e, por isso, sujeitos ao seu senhorio.
Escrevi
um livro inteiro sobre este assunto. Há uma tendência, eu receio, de tentarmos
abrandar a terminologia que a Escritura usa porque – sejamos honestos – a
figura de escravo é ofensiva. Ela não era menos inquietante na época do Novo
Testamento. Ninguém queria ser escravo, e a instituição da escravidão romana
era notoriamente abusiva.
No
entanto, em todo o Novo Testamento, o relacionamento do crente com Cristo é
retratado como uma relação de senhor e escravo. Isso envolve total submissão ao
senhorio dele, é claro. Também exclui toda sugestão de orgulho, egoísmo,
independência ou egocentrismo. Está é simplesmente mais uma razão por que
nenhum tipo de egocentrismo tem lugar na vida da igreja.
O
próprio senhor Jesus ensinou claramente este princípio. Seu convite a possíveis
discípulos foi uma chamada à total autorrenúncia: "Se alguém quer vir após
mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me" (Lc 9.23).
Os
doze não foram rápidos para aprender essa lição, e a interação deles uns com os
outros foi apimentada com disputas a respeito de quem era o maior, quem poderia
ocupar os principais assentos no reino e expressões semelhantes de disputas
egocêntricas. Por isso, na noite de sua traição, Jesus tomou uma toalha e uma
bacia e lavou os pés dos discípulos. Sua admoestação para eles, na ocasião, é
um poderoso argumento contra qualquer sussurro de egocentrismo no coração de
qualquer discípulo: "Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os
pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o
exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também" (Jo 13.14-15).
Foi
um argumento do maior para o menor. Se o eterno Senhor da glória se mostrou
disposto a tomar uma toalha e lavar os pés sujos de seus discípulos, então,
aqueles que se chamam discípulos de Cristo não devem, de maneira alguma, buscar
preeminência para si mesmos. Cristo é nosso modelo, e não Diótrefes.
Não
posso terminar sem ressaltar que este princípio tem uma aplicação específica
para aqueles que estão em posições de liderança na igreja. É um lembrete
especialmente vital nesta era de líderes religiosos que são superestrelas e
pastores jovens que agem como estrelas de rock. Se Deus chamou você para ser um
presbítero ou mestre na igreja, ele o chamou não para sua própria celebridade
ou engrandecimento. Deus o chamou a fazer isso para a glória dele mesmo. Nossa
comissão é pregar não "a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a
nós mesmos como vossos servos [escravos], por amor de Jesus" (2 Co 4.5).
Traduzido por: Francisco Wellington Ferreira
Editor: Tiago Santos
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© John MacArthur & Tabletalk
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© Editora FIEL 2012.
Publicado
originalmente na Revista Tabletalk, nº 3, Vol. 36, do ministérioLigonier.
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